Crônica 8
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02 July 2006
05 April 2006
Crônica 7 – 10 de Novembro de 2005 - O fantasma da “viagem para casa adiada” voltou a me rondar novamente. Na hora da entrada no avião, vem o chamado para uma tremenda necessidade de última hora. – “Não, não dá para viajar agora”. E aí a decepção se mistura as frustrações de todos os que aguardavam com ansiedade. Tudo ficará para Dezembro.
Como o que não se pode mudar é melhor se conformar. Vou virar a página desta viagem que não veio e falar daquela que passou.
Finalmente a província que estava em nossa mesa de planejamento várias vezes, e várias vezes sumiu devido a prioridades diversas, assomou abaixo das asas do 727 velhíssimo da Gemini Linhas Aéreas Angolanas (acho que deve ter sido algum refugo antigo da VASP, brincadeira!).
Huambo, que fica a 800km de distância de Luanda, na região central do país, nos recebeu de forma muito fria, do alto de seus 1500m de altitude, o que fazia com que a temperatura ficasse em torno dos 15º. A cidade causou melhor impressão, na saída do aeroporto, do que aquela confusão quintomundense que eu vi nos primeiros momentos em Luanda. Ruas largas, muito verde com árvores margeando as avenidas e bosques gramados.
Vias da Cidade.
Vias aprazíveis.
As províncias de Huambo e Bié foram as que mais sofreram na guerra civil e infelizmente este assunto volta a tona embora eu já esteja um pouco cansado dele. Ela é uma cidade de porte, destinada a ser a segunda capital do país, mas foi sitiada pela UNITA. Teve 53 dias ininterruptos de guerra urbana e as marcas estão sempre à vista. Nas residências imponentes ainda abandonadas e marcadas por metralhadoras, em edifícios de 10 andares atingidos por morteiros e até nas pobres estátuas dos parques alvejadas por balas.
Ecos da Guerra Civil - Prédio atingido.
Ecos da Guerra Civil - Estátuas alvejadas.
Na cidade de Huambo a fruta da época são os morangos. Uma diferença dos que vemos no Brasil, é que os de Huambo são pequenos, mas muito mais saborosos. Nos chegam através das zumbeiras, que os carregam na cabeça embalados em cestinhas de palha.
Delícia de época! - Morangos.
Rumamos em direção a província do Bié, para a sua capital chamada Kuito. O nosso objeto de trabalho nos revelou muitas surpresas. A estrada passa por esplêndidos monumentos rochosos que brotam em prados de vegetação rasteiras, ou em florestas abertas com eucaliptos três vezes maiores e mais robustos do que aqueles que conhecemos.
Pedra do Alemão.
Pico do Luviri na estrada do Rio Keve-Alto Hama.
Florestas de Eucalíptos.
Por-do-Sol na floresta.
Um deles se refere ao Ombala Kandungo (reino de Kandungo, na língua Ombundo… gostou?). Este é outro rei com história de resistência aos colonizadores portugueses. O monumento é um monte rochoso repleto de túneis e saídas falsas construídas pelo rei, que enganaram os invasores por muito tempo. A história de Kandungo é também interessante, como a de Mandunbe (Crônica 5), pois é uma mistura de luta, ardil e paixão. Uma de suas sete esposas, com ciúmes das preferências do Rei, informou toda a sua estratégia para os colonizadores portugueses e Kandungo foi capturado e morto. O monte então passou para história como um monumento à sua resistência. Mais uma história heróica dos heróis vencidos.
Monumento Ombala Kandungo (Reino de Kandungo)
Mas as surpresas da recente guerra civil voltaram a nos encontrar. Blindados alvejados por foguetes (alguns estavam com a parte de cima completamente separada da parte inferior, onde ficam as esteiras), outros paralisados por minas (com buracos na parte dianteira), estavam no mesmo local onde foram atingidos. Estas lembranças inertes estão por toda a estrada que leva a Kuito.
Lembranças da guerra.
Em um dado momento fomos advertidos para não sair da plataforma da estrada. Vimos então as marcações do serviço de desminagem. Este trabalho tem o apoio de ONG´s de vários países (tivemos a oportunidade de conhecer alguns técnicos destas organizações) e tem o objetivo de livrar a população do perigo das minas. Aqui e ali, onde parávamos para o trabalho, identificávamos crateras produzidas por estes artefatos traidores, que mataram muito e transformaram o país em uma pátria de pernetas. O que víamos eram as marcações deixadas pelas equipes ao liberarem as áreas. Mais à frente as marcações mudaram e eram mais ameaçadoras, com marcos implantados que mostravam o sinal de perigo (a popular caveira), indicando que aquela área ainda estava sendo trabalhada. Após alguns quilômetros vimos os heróis responsáveis por este serviço. Tomei um susto ao reparar que com eles não havia nenhum veículo potente que explodia as minas usando largatas de alto alcance, o que conferiria ao serviço a segurança necessária, como eu havia visto em um documentário. As equipes simplesmente vasculhavam uma área equivalente a 30m da estrada com detectores de metais e proteções que iam dos genitais até o peito, acrescido de um capacete para proteção da cabeça.
Perguntei a Inácio Satambue, director provincial do INEA, sobre a segurança destas equipes. Ele me disse que a metodologia usada é que define esta segurança, o que não impede vez por outra, de ocorrerem acidentes fatais.
Marcações dos campos minados.
Equipes fazendo a desminagem.
Prosseguindo em direção a Kuito, já não haviam mais equipes trabalhando. Só as marcações de áreas minadas.
Ao chegarmos a capital do Bié, vimos o que eu já esperava. Aqui a guerra foi bairro a bairro, rua a rua, casa a casa. A sensação que nos dava é que um exército de malucos haviam se apoderado de metralhadoras e lançadores de foguetes e gastado um navio de munição atirando a esmo na cidade. A impressão foi pior do que a de Quibala (Crônica anterior), por se tratar Kuito de uma cidade maior. Havia marcas de balas até em cima de caixas d’água, em monumentos e também em parques infantis.
Prédios destruídos por mísseis, residências e edifícios alvejados por morteiros, imagens que causam impacto e angústia.
Saindo desta mostra de selvageria, o que achei fantástico foi a constatação do moral da população que tem uma fenomenal capacidade de se superar. Eles falam de tudo, contam histórias escabrosas, participaram ativamente das operações, enterraram seus mortos nos quintais das casas (pois não podiam sair nem para isto), dividiram seus parcos alimentos que eram comidos sem sal. Mas estes fatos não fizeram com que eles se traumatizassem, parassem no tempo e nem deixassem de ter uma visão de progresso em relação a sua região quando tudo terminou. As cidades vão aos poucos se reconstruindo e com elas as esperanças da população.
Restauração dos Prédios Públicos
Fomos ainda a Alto Hama e de lá a ponte sobre do rio Queve que foi destruída três vezes, interrompendo a ligação do norte com o sul do país.
"Miúdas" de Alto Hama.
Ponte sobre o Rio Keve - Lugar Perigoso
Como se não bastasse a avalanche de surpresas não parou por aí. Conseguimos fazer todo o trabalho em menos tempo que o planejado. O problema é que nem tudo segue a nossa velocidade e o avião sucatão que nos traria estava em manutenção. Teríamos então que esperar até a data combinada para o retorno. Não sei se a decisão foi acertada, mas voltamos os 800km rodando. Destes com certeza 500km estavam em péssimas condições. Parece maluquice, mas ao final não deu para se arrepender. Teria perdido uma das mais fantásticas paisagens que já vi. O por-do-sol na serra do Londouimbali, região onde se escondia Savimbe, líder da UNITA. As fotos que mostro não têm a mínima capacidade de retratar a grandiosidade do espetáculo. Os contornos azuis da montanha, contrastavam com o verde da padraria e os raios solares. Simplesmente era preciso estar lá para perder o fôlego.
Serra de Loundoimbali.
Mãe e filha em Loundoimbali. Ela pediu para eu tirar a foto da menina.
Outra razão para não se arrepender foi conhecer Lobito, uma cidade litorânea que finalmente preservou toda a sua beleza dos reveses da guerra. A cidade é aprazível por seu planejamento bem cuidado, com avenidas largas, e muita disposição em se tornar um lugar atrativo aos turistas. Tem uma bahia com marinas para esportes náuticos, uma orla preservada da ação dos vendedores e com uma consciência ambiental bem aparente, sobretudo na preservação das praias. A avenida beira-mar é povoada por mansões em toda a sua extensão o que a torna um verdadeiro cartão postal. Na região de Lobito e Benguela, capital da província de Benguela, estão grande parte das petroleiras e indústrias extrativistas. Ficamos contentes em encontrar uma cidade onde as assombrações dos conflitos não têm vez em nenhum lugar.
Barco que ajudou na fuga do Presidente de Angola.
Porto de Lobito
Prédios Públicos em Lobito.
Em nenhum não, menos em um… Chegamos a Lobito às 22:00, através da EN 250, uma das estradas em piores condições de trafegabilidade que já encontrei. Procuramos um lugar para jantar e quando encontrar um hotel já passava das 24:00hs. Aparentemente o Grande Hotel era imponente com seus quase 8 andares. Chegamos na portaria, bem cuidada, com três elevadores, sendo um daqueles antigos tipo gaiola. Estranhei que o recepcionista estava de camiseta e com uma cara meio assustada de ver tanta gente chegando de uma vez àquela hora. Como o cansaço era grande, não dei bola para isto. Continuei a estranhar na hora de preencher a ficha de hospedagem. A ficha já estava preenchida. Era a primeira ficha de hotel reaproveitável que eu já vira. Eu tinha que escrever onde sobrava espaço. Perguntamos se havia ar-condicionado e o recepcionista respondeu afirmativamente. Os nossos quartos estavam no 4º andar e eu comecei a não gostar quando fomos informados que os elevadores estavam quebrados. Tivemos que subir os quatro andares com as bagagens. Mas o mais inusitado foi quando entramos no quarto. Ele parecia com as decorações dos anos 60/70. O banheiro estava cheio de tonéis d´água a banheira estava repleta de uma água amarelada. Não havia água encanada. O banho que todos estavam sonhando transformou-se em banho de repelente para mosquitos. O arcondicionado não estava ligado na tomada. Nem eu me arriscaria a ligá-lo, com medo de provocar um incêndio, tal o emaranhado de fios, alguns desemcapados. A vontade de desaparecer daquele lugar foi grande, mas o cansaço era maior e quando eu pensava em ter de descer todas as escadas com as malas às 0:30 horas para procurar hotel. Desanimei!!! Encarei a tal pocilga. O que vale é que sou bom de cama, dormi como uma pedra. Outros ficaram acordados boa parte da noite e houve gente que achou o lugar tão esdrúxulo que esperou algum Ogro-de-um-olho-só sair de dentro do armário. O coitado vigiou a noite toda. No dia seguinte desci para as nossas provisões e peguei água mineral para escovar os dentes. Banho mesmo só em Luanda a 500km de distância.
O maravilhoso "Grande" Hotel
Usando a escova fora do "Grande" Hotel.
Como eu estava dizendo, o único lugar em Lobito onde houve guerra civil foi no esplendoroso Grande Hotel.
Rio Quicongo - Volta.
Como o que não se pode mudar é melhor se conformar. Vou virar a página desta viagem que não veio e falar daquela que passou.
Finalmente a província que estava em nossa mesa de planejamento várias vezes, e várias vezes sumiu devido a prioridades diversas, assomou abaixo das asas do 727 velhíssimo da Gemini Linhas Aéreas Angolanas (acho que deve ter sido algum refugo antigo da VASP, brincadeira!).
Huambo, que fica a 800km de distância de Luanda, na região central do país, nos recebeu de forma muito fria, do alto de seus 1500m de altitude, o que fazia com que a temperatura ficasse em torno dos 15º. A cidade causou melhor impressão, na saída do aeroporto, do que aquela confusão quintomundense que eu vi nos primeiros momentos em Luanda. Ruas largas, muito verde com árvores margeando as avenidas e bosques gramados.
Vias da Cidade.
Vias aprazíveis.
As províncias de Huambo e Bié foram as que mais sofreram na guerra civil e infelizmente este assunto volta a tona embora eu já esteja um pouco cansado dele. Ela é uma cidade de porte, destinada a ser a segunda capital do país, mas foi sitiada pela UNITA. Teve 53 dias ininterruptos de guerra urbana e as marcas estão sempre à vista. Nas residências imponentes ainda abandonadas e marcadas por metralhadoras, em edifícios de 10 andares atingidos por morteiros e até nas pobres estátuas dos parques alvejadas por balas.
Ecos da Guerra Civil - Prédio atingido.
Ecos da Guerra Civil - Estátuas alvejadas.
Na cidade de Huambo a fruta da época são os morangos. Uma diferença dos que vemos no Brasil, é que os de Huambo são pequenos, mas muito mais saborosos. Nos chegam através das zumbeiras, que os carregam na cabeça embalados em cestinhas de palha.
Delícia de época! - Morangos.
Rumamos em direção a província do Bié, para a sua capital chamada Kuito. O nosso objeto de trabalho nos revelou muitas surpresas. A estrada passa por esplêndidos monumentos rochosos que brotam em prados de vegetação rasteiras, ou em florestas abertas com eucaliptos três vezes maiores e mais robustos do que aqueles que conhecemos.
Pedra do Alemão.
Pico do Luviri na estrada do Rio Keve-Alto Hama.
Florestas de Eucalíptos.
Por-do-Sol na floresta.
Um deles se refere ao Ombala Kandungo (reino de Kandungo, na língua Ombundo… gostou?). Este é outro rei com história de resistência aos colonizadores portugueses. O monumento é um monte rochoso repleto de túneis e saídas falsas construídas pelo rei, que enganaram os invasores por muito tempo. A história de Kandungo é também interessante, como a de Mandunbe (Crônica 5), pois é uma mistura de luta, ardil e paixão. Uma de suas sete esposas, com ciúmes das preferências do Rei, informou toda a sua estratégia para os colonizadores portugueses e Kandungo foi capturado e morto. O monte então passou para história como um monumento à sua resistência. Mais uma história heróica dos heróis vencidos.
Monumento Ombala Kandungo (Reino de Kandungo)
Mas as surpresas da recente guerra civil voltaram a nos encontrar. Blindados alvejados por foguetes (alguns estavam com a parte de cima completamente separada da parte inferior, onde ficam as esteiras), outros paralisados por minas (com buracos na parte dianteira), estavam no mesmo local onde foram atingidos. Estas lembranças inertes estão por toda a estrada que leva a Kuito.
Lembranças da guerra.
Em um dado momento fomos advertidos para não sair da plataforma da estrada. Vimos então as marcações do serviço de desminagem. Este trabalho tem o apoio de ONG´s de vários países (tivemos a oportunidade de conhecer alguns técnicos destas organizações) e tem o objetivo de livrar a população do perigo das minas. Aqui e ali, onde parávamos para o trabalho, identificávamos crateras produzidas por estes artefatos traidores, que mataram muito e transformaram o país em uma pátria de pernetas. O que víamos eram as marcações deixadas pelas equipes ao liberarem as áreas. Mais à frente as marcações mudaram e eram mais ameaçadoras, com marcos implantados que mostravam o sinal de perigo (a popular caveira), indicando que aquela área ainda estava sendo trabalhada. Após alguns quilômetros vimos os heróis responsáveis por este serviço. Tomei um susto ao reparar que com eles não havia nenhum veículo potente que explodia as minas usando largatas de alto alcance, o que conferiria ao serviço a segurança necessária, como eu havia visto em um documentário. As equipes simplesmente vasculhavam uma área equivalente a 30m da estrada com detectores de metais e proteções que iam dos genitais até o peito, acrescido de um capacete para proteção da cabeça.
Perguntei a Inácio Satambue, director provincial do INEA, sobre a segurança destas equipes. Ele me disse que a metodologia usada é que define esta segurança, o que não impede vez por outra, de ocorrerem acidentes fatais.
Marcações dos campos minados.
Equipes fazendo a desminagem.
Prosseguindo em direção a Kuito, já não haviam mais equipes trabalhando. Só as marcações de áreas minadas.
Ao chegarmos a capital do Bié, vimos o que eu já esperava. Aqui a guerra foi bairro a bairro, rua a rua, casa a casa. A sensação que nos dava é que um exército de malucos haviam se apoderado de metralhadoras e lançadores de foguetes e gastado um navio de munição atirando a esmo na cidade. A impressão foi pior do que a de Quibala (Crônica anterior), por se tratar Kuito de uma cidade maior. Havia marcas de balas até em cima de caixas d’água, em monumentos e também em parques infantis.
Prédios destruídos por mísseis, residências e edifícios alvejados por morteiros, imagens que causam impacto e angústia.
Saindo desta mostra de selvageria, o que achei fantástico foi a constatação do moral da população que tem uma fenomenal capacidade de se superar. Eles falam de tudo, contam histórias escabrosas, participaram ativamente das operações, enterraram seus mortos nos quintais das casas (pois não podiam sair nem para isto), dividiram seus parcos alimentos que eram comidos sem sal. Mas estes fatos não fizeram com que eles se traumatizassem, parassem no tempo e nem deixassem de ter uma visão de progresso em relação a sua região quando tudo terminou. As cidades vão aos poucos se reconstruindo e com elas as esperanças da população.
Restauração dos Prédios Públicos
Fomos ainda a Alto Hama e de lá a ponte sobre do rio Queve que foi destruída três vezes, interrompendo a ligação do norte com o sul do país.
"Miúdas" de Alto Hama.
Ponte sobre o Rio Keve - Lugar Perigoso
Como se não bastasse a avalanche de surpresas não parou por aí. Conseguimos fazer todo o trabalho em menos tempo que o planejado. O problema é que nem tudo segue a nossa velocidade e o avião sucatão que nos traria estava em manutenção. Teríamos então que esperar até a data combinada para o retorno. Não sei se a decisão foi acertada, mas voltamos os 800km rodando. Destes com certeza 500km estavam em péssimas condições. Parece maluquice, mas ao final não deu para se arrepender. Teria perdido uma das mais fantásticas paisagens que já vi. O por-do-sol na serra do Londouimbali, região onde se escondia Savimbe, líder da UNITA. As fotos que mostro não têm a mínima capacidade de retratar a grandiosidade do espetáculo. Os contornos azuis da montanha, contrastavam com o verde da padraria e os raios solares. Simplesmente era preciso estar lá para perder o fôlego.
Serra de Loundoimbali.
Mãe e filha em Loundoimbali. Ela pediu para eu tirar a foto da menina.
Outra razão para não se arrepender foi conhecer Lobito, uma cidade litorânea que finalmente preservou toda a sua beleza dos reveses da guerra. A cidade é aprazível por seu planejamento bem cuidado, com avenidas largas, e muita disposição em se tornar um lugar atrativo aos turistas. Tem uma bahia com marinas para esportes náuticos, uma orla preservada da ação dos vendedores e com uma consciência ambiental bem aparente, sobretudo na preservação das praias. A avenida beira-mar é povoada por mansões em toda a sua extensão o que a torna um verdadeiro cartão postal. Na região de Lobito e Benguela, capital da província de Benguela, estão grande parte das petroleiras e indústrias extrativistas. Ficamos contentes em encontrar uma cidade onde as assombrações dos conflitos não têm vez em nenhum lugar.
Barco que ajudou na fuga do Presidente de Angola.
Porto de Lobito
Prédios Públicos em Lobito.
Em nenhum não, menos em um… Chegamos a Lobito às 22:00, através da EN 250, uma das estradas em piores condições de trafegabilidade que já encontrei. Procuramos um lugar para jantar e quando encontrar um hotel já passava das 24:00hs. Aparentemente o Grande Hotel era imponente com seus quase 8 andares. Chegamos na portaria, bem cuidada, com três elevadores, sendo um daqueles antigos tipo gaiola. Estranhei que o recepcionista estava de camiseta e com uma cara meio assustada de ver tanta gente chegando de uma vez àquela hora. Como o cansaço era grande, não dei bola para isto. Continuei a estranhar na hora de preencher a ficha de hospedagem. A ficha já estava preenchida. Era a primeira ficha de hotel reaproveitável que eu já vira. Eu tinha que escrever onde sobrava espaço. Perguntamos se havia ar-condicionado e o recepcionista respondeu afirmativamente. Os nossos quartos estavam no 4º andar e eu comecei a não gostar quando fomos informados que os elevadores estavam quebrados. Tivemos que subir os quatro andares com as bagagens. Mas o mais inusitado foi quando entramos no quarto. Ele parecia com as decorações dos anos 60/70. O banheiro estava cheio de tonéis d´água a banheira estava repleta de uma água amarelada. Não havia água encanada. O banho que todos estavam sonhando transformou-se em banho de repelente para mosquitos. O arcondicionado não estava ligado na tomada. Nem eu me arriscaria a ligá-lo, com medo de provocar um incêndio, tal o emaranhado de fios, alguns desemcapados. A vontade de desaparecer daquele lugar foi grande, mas o cansaço era maior e quando eu pensava em ter de descer todas as escadas com as malas às 0:30 horas para procurar hotel. Desanimei!!! Encarei a tal pocilga. O que vale é que sou bom de cama, dormi como uma pedra. Outros ficaram acordados boa parte da noite e houve gente que achou o lugar tão esdrúxulo que esperou algum Ogro-de-um-olho-só sair de dentro do armário. O coitado vigiou a noite toda. No dia seguinte desci para as nossas provisões e peguei água mineral para escovar os dentes. Banho mesmo só em Luanda a 500km de distância.
O maravilhoso "Grande" Hotel
Usando a escova fora do "Grande" Hotel.
Como eu estava dizendo, o único lugar em Lobito onde houve guerra civil foi no esplendoroso Grande Hotel.
Rio Quicongo - Volta.
09 March 2006
Crônica 6 - Outubro 2005.As viagens que estamos fazendo pelo interior de Angola são um misto de incertezas com o que vamos encontrar e muito esforço para chegar e concluir o que deve ser feito em meio a estradas em condições lastimáveis. Mas a constante nestes levantamentos são ainda as histórias de guerras e as paisagens espetaculares que mostram uma terra de contradições entre suas riquezas naturais e as condições sub-humanas do povo.
Acabamos de chegar de uma região distante 250 km ao sul de Luanda. Fomos a uma cidade litorânea chamada Sumbe. O levantamento teria que chegar até Quibala, distante 150km, passando, no meio do percurso, por uma cidade que está no topo do planalto central, cama-se Gabela.
Viajamos pela a estrada denominada EN 100, que faz as vezes da nossa BR-101. É uma rodovia litorânea que ainda pretende cortar o país de norte a sul. Está em bom estado, com alguns buracos, que não poderiam faltar. Fui com Armando, arquiteto do INEA, que foi me mostrando todos os pontos turísticos do sul de Luanda. Tive um especial interesse em uma construção de dois andares, isolada, em cima de uma pequena elevação à beira mar. Armando informou tratar-se do museu da escravatura. É preciso visitá-lo.
Museu da Escravatura.
A estrada passa por áreas à beira-mar e nada destas regiões lembram o astral das cidades praieiras do Brasil. Tudo rareia, até a vegetação. Parece uma paisagem marciana, onde, às vezes, não se encontra o menor sinal de presença humana. Passamos pelo Mirador da Lua, onde eu pensava que este nome se devia a algo ligado ao local ser utilizado por namorados para apreciarem a beleza da Lua no mar e, quem sabe, “curtir” uma “corridinha de submarino”. Para a minha surpresa, o nome não tem nada a ver com a visão romântica que eu estava tendo. É por causa da paisagem que de tão excepcional e desabitada, parece lunar. Não vou perder tempo descrevendo. É melhor ver abaixo. O visual é impressionante e insólito.
A Lua vista da Terra de Angola
Direto da Lua sem o traje
Conheci, mais à frente, uma fruta que não temos no Brasil. Chama-se Maboc e tem uma casca amarela e dura, que deve ser quebrada para se ter acesso ao conteúdo. Este é formado por caroços envolvidos por uma suculenta polpa amarela. A graça é colocar aqueles caroços na boca e chupar o sumo da polpa. Caí na besteira de tentar separar a polpa do caroço. Deu calo na língua. Ela não sai. O gosto é ácido e muito bom. Parece uma mistura de maracujá com pêssego. Havia outra que se chama môngua, parecida com o Cupuaçu, é a fruta do Imbundeiro, árvore que é um dos símbolos de Angola, mas chega de novidades em relação a frutas.
Delícias da África - O Maboc
A paisagem da viagem variava de forma abrupta. Hora se tornava uma savana, hora voltava para a paisagem litorânea e víamos sempre as vilas formadas por habitações em estuque coberta de palhas. No meio da viagem aparece um vale que parece ter sido pintado a mão. Depois eu soube quem era o artista daquela obra.
Aldeia na Estrada Nacional que leva à Sumbe.
Chegamos finalmente a Sumbe, uma cidade litorânea, que não tem nada a ver com as do Nordeste. Pois o estilo africano impera na paisagem. Todas as habitações que recepcionam os visitantes têm as características de quinto mundo, que são bem peculiares aqui. A medida que avançamos na cidade os prédios foram melhorando de aspecto, até a orla marítma, onde estavam os hotéis e as características universais das praias (calçadão, coqueiros, bares, restaurantes, etc). A cidade é a maior produtora de lagosta do país. Então adivinhe qual foi o meu jantar à beira-mar em frente ao hotel? Bem, nem tudo é só sacrifício. Se você gosta, ela veio grelhada e acompanhada de uma salada que não deu para evitar, como tenho feito com as verduras não cozidas daqui. Estava saborosíssima!
Chegada à Sumbe - Pelo menos o mar está ali.
Restaurante à beira-mar - Lagosta à vista.
Bem, nem tudo é sacrif�cio aqui em Sumbe.
Voltando a labuta, o trecho seria bastante difícil, pois eram 150km com uma serra no meio, onde sairíamos do nível do mar para altitudes de 1500m. Não havia como pernoitar nas cidades lindeiras (Gabela e Quibala). Não havia estrutura de hospedagem, pois a guerra simplesmente dissolveu e os investimentos ainda não chegaram como em Ondjiva (Crônica anterior, lembra?). Teríamos que voltar sempre o percurso levantado para dormir em Sumbe.
Fomos trabalhando naquela estrada de difícil trafegabilidade, em uma situação tal que nunca espero que as nossas cheguem, embora esteja perdendo a esperança, pela constatação de descaso como estão a tratar a infra-estrutura brasileira. É possível que algum dia possamos estar com problemas que Angola hoje tem que enfrentar. A completa perda de suas ligações territoriais. Pelo menos este país tem uma justificativa. Foram 27 anos de guerra. E nós, qual a nossa justificativa?
A vegetação inicial é dominada pelo imbundeiro, o que já a torna bem diferente da nossa. As paisagens são singulares e não identifiquei nada aqui parecido com a terra brasilis. Comecei então a ver um outro diferencial na paisagem, algo que transformava a região de flora rarefeita para um vale onde tudo é verde e ordenado, onde a agricultura é abundante e agente de mudança do ambiente. Até o povo tem o astral melhor e aparenta mais saúde. Isto tudo é causado pelo rio Keve, que desde antes da nossa chegada a esta região vêm nos acompanhado e proporcionando momentos de puro deleite para os olhos. O rio Keve dá condições para a região fazer uma das maiores agriculturas do país e ser um motor de transformação.
O Vale com o artista presente
O Vale e o artista - Paisagens de Angola
Agricultura do Rio Keve.
Verdura barata do rio Keve.
Mais produtos do Keve na vila Cachoeira.
É sinônimo de beleza, pois por onde ele passa, tenha a certeza que você terá uma linda visão. Chega a ser abusado, fazendo coisas que muitos rios não têm oportunidade nem características físicas para tal, como belas cachoeiras e pontes com vãos em arco, infelizmente sem utilização devido aos conflitos. Sei que devo estar exagerando, mas o impacto que um elemento transformador deste gera em uma região castigada como esta não pode ser tratado diferente. O Keve é realmente um artista da natureza.
Cachoeira do Rio Keve
Cachoeira do Rio Keve
Pontes do Rio Keve
Afluente do Rio Keve.
Estou aqui mesmo!
Sidclei e os miúdos da vila de Cachoeiras
A medida que avançávamos e deixávamos as belezas do Keve para trás subíamos em direção a Gabela. Esta cidade parece que foi congelada no tempo. Ela era a base de uma época onde o cultivo do café era o impulsionador da região. Ela situa-se em uma altitude de 1100m acima do nível do mar e seu aspecto é de uma cidade dos anos 50/60. Os conflitos aparentemente não fizeram estragos, se bem que a infra-estrutura da cidade sofreu demasiadamente (uma subestação toda montada foi para o espaço).
Gabela, cidade congelada nos anos 60.
Estou a falar de rios, cidades, estradas, subestações e o mais importante está sendo deixado de lado. O povo. Este é um assunto que para falar sobre ele é preciso despir toda a sensibilidade. O povo é fator de descaso cultural e a miséria existe onde não existe miséria. Parece uma frase de efeito, mas como achar natural que haja fome em uma região que tem o rio Keve. Isto ocorreu quando paramos em uma aldeia próxima e a população cercou nosso carro pedindo comida e notávamos que havia o desespero da fome. Quando secamos nosso estoque de pão, agradecidos eles posaram para fotos. É de espantar o tratamento que o angolano abastado dispensa ao povo humilde, com exceções, é claro. E na base deste sofrimento todo está a mulher. Ela é o ente que trabalha mais. Chega-se ao ponto dos homens levarem a sua mulher para transportar pesos ou fazer outros serviços que, em nossa sociedade, só seriam atribuídos aos mais fortes. Em nossas viagens o que mais se encontram são mulheres carregando seus bebês nas costas, para terem as mãos livres para o trabalho. Elas transportam fardos de lenha, por vezes mais pesados que o próprio corpo, ou as vezes trabalham sol a pino na lavoura. E seus bebês as acompanham em todas estas atividades, amarrados às costas com uma espécie de pano em formato de bolsa presa à barriga.
Jeito feminino de viver no interior de Angola.
Tentamos registrar estes fatos, mas desistimos, pois as coitadas têm muito medo quando nós brancos nos aproximamos no meio da estrada. Algumas correm equilibrando seus fardos e seus bebês. Houve um momento em que eu iria tirar uma foto de algum elemento da estrada e ao abrir a porta me coloquei entre uma família. A mãe e um menininho saíram correndo para trás da camionete, gritando desesperadamente para a filha, que havia ficado à frente do carro e trazia um bebê amarrado atrás. Ela gritava para que ela corresse para o mato. Não adiantou meus argumentos de que nada iria acontecer. A debandada foi geral. A imagem dos brancos colonizadores, malfeitores e escravizadores ainda é forte.
Depois de Gabela a estrada fica mais bonita, com uma vegetação de árvores altas e esguias que emolduram a paisagem. A temperatura que chegara a uns 15º na altitude de 1500m, vai esquentando.
Árvore do "Pau Preto"-Para nós o ébano. utilizadas nas esculturas
Instituto do Café de Angola
Trecho em vegetação exuberante.
Trecho bonito na região do café
As aldeias vão se sucedendo e as rochas aparecem, no começo timidamente. Depois formando imensos morros que completam a paisagem árida. Vamos descendo a serra mais abaixo chegamos ao rio Nhia, onde havia um desvio, pois a ponte havia sido explodida. No meio da ponte metálica do desvio tirei a foto abaixo, que era o começo dos sustos da guerra que teríamos até o fim do trecho na cidade de Quibala. Observe bem a foto.
Ponte sobre o rio Nhia
Detalhe congelado no tempo.
Após esta passagem chegamos a cidade de Quibala. Houve, claro, o alívio do dever cumprido e a necessidade de conhecer uma nova cidade. A paisagem encontrada foi as que estão abaixo e o susto foi dos maiores.
A cidade era um reduto da UNITA e foi bombardeada pelas tropas do governo em batalhas que a transformaram em uma cidade de escombros. Parecia que os destroços estavam ali para servir de museu a céu aberto. Ela está implantada entre duas cadeias de monte de pedras que serviram de reduto para a UNITA e para as tropas do governo (do lado oposto, é claro). As duas se duelaram com a cidade no meio levando toda a carga de uma batalha exdrúxula como esta. O resultado vocês estão vendo nas fotos.
Via principal de Quibala
Prédio na Via principal de Quibala
Detalhe
Foi impressionante andar por ruas daquela forma. A sensação que pairava no ar era a de que a qualquer momento tudo recomeçaria e teríamos que procurar rápido um lugar para nos proteger. Por indução, até o cheiro da guerra começamos a sentir.
O caso é que os recursos ainda não chegaram para esta região e as histórias de guerra, não são apenas histórias, estão ali presentes, para impressionar não pelos ouvidos, mas com os olhos. E assim não é preciso que ninguém nos conte como tudo se sucedeu. Basta olhar para saber. O que mais impressionava não eram os prédios reduzidos a um montes de entulho. Eram as casas de morada que também estavam destruídas através de balas. Isto era o cotidiano de Angola há cinco anos atrás.
Casas destruídas
Falando em assuntos mais amenos, tive a sorte de participar de um dia histórico para o país. A classificação para a Copa do Mundo. E isto foi o dia de nosso retorno à Luanda. Tivemos que ouvir o jogo pelo rádio, pois estávamos ainda no trajeto. Eram dois jogos que se desenrolavam no grupo. E o adversário era nada menos do que a temível Nigéria, que estava jogando no outro jogo, contra o Zimbawe. Ela não se fez de rogada e partiu logo com 2x0 ainda no primeiro tempo. Angola teria que ganhar sua partida contra Ruanda. Bastava 1x0, pois no confronto direto fora vencedora. O país ficou se roendo com o empate em todo o primeiro tempo e nós com eles. O segundo tempo começou e nada. Chegamos e Luanda estava deserta. Os angolanos que nos acompanhavam nos levaram a um restaurante que ficava em uma ruela de dar medo. Já estava em uns 30 min do segundo tempo e a tensão cortava o ar. Então tudo explodiu, e a população da rua saiu das casas. Garrafas voaram para todos os lados. Não deu mais para chegar no restaurante e tivemos que procurar outro. Quando o jogo acabou a festa começou e até caminhão de lixo virou trio elétrico. A coisa toda é mais selvagem que as nossas comemorações. As rádios ficaram dando boletins para acalmar a população, mas ninguém queria saber. Para chegar em casa foi difícil. Não era uma festa qualquer. O país agora faz parte da elite do futebol mundial e curtiu a esperança de jogar o primeiro jogo da copa contra o Brasil. Assim vão chamar a atenção de, pelo menos, 2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Foi assim que o basquete de Angola se tornou referencia na África. Foi o primeiro país a jogar com o Dream Team, dos EUA, na Olimpíada.
As festas se sucederam por todo o país e os angolanos estão considerando este resultado como um despertar de uma nova era para eles. Não estão com pretensões no mundial. Sabem que têm apenas 3 jogos a fazer. Mas querem que seja os três melhores jogos da sua história. E não quer dizer que achem que ganham as partidas, mas acham que podem ganhar com as partidas.´
A história das Copas do Mundo está repleta de casos de azarões vindos da África que fazem o improvável com seleções da primeira linha do futebol. Quem sabe se um dos azarões não é este. Que não seja contra o Brasil.
Acabamos de chegar de uma região distante 250 km ao sul de Luanda. Fomos a uma cidade litorânea chamada Sumbe. O levantamento teria que chegar até Quibala, distante 150km, passando, no meio do percurso, por uma cidade que está no topo do planalto central, cama-se Gabela.
Viajamos pela a estrada denominada EN 100, que faz as vezes da nossa BR-101. É uma rodovia litorânea que ainda pretende cortar o país de norte a sul. Está em bom estado, com alguns buracos, que não poderiam faltar. Fui com Armando, arquiteto do INEA, que foi me mostrando todos os pontos turísticos do sul de Luanda. Tive um especial interesse em uma construção de dois andares, isolada, em cima de uma pequena elevação à beira mar. Armando informou tratar-se do museu da escravatura. É preciso visitá-lo.
Museu da Escravatura.
A estrada passa por áreas à beira-mar e nada destas regiões lembram o astral das cidades praieiras do Brasil. Tudo rareia, até a vegetação. Parece uma paisagem marciana, onde, às vezes, não se encontra o menor sinal de presença humana. Passamos pelo Mirador da Lua, onde eu pensava que este nome se devia a algo ligado ao local ser utilizado por namorados para apreciarem a beleza da Lua no mar e, quem sabe, “curtir” uma “corridinha de submarino”. Para a minha surpresa, o nome não tem nada a ver com a visão romântica que eu estava tendo. É por causa da paisagem que de tão excepcional e desabitada, parece lunar. Não vou perder tempo descrevendo. É melhor ver abaixo. O visual é impressionante e insólito.
A Lua vista da Terra de Angola
Direto da Lua sem o traje
Conheci, mais à frente, uma fruta que não temos no Brasil. Chama-se Maboc e tem uma casca amarela e dura, que deve ser quebrada para se ter acesso ao conteúdo. Este é formado por caroços envolvidos por uma suculenta polpa amarela. A graça é colocar aqueles caroços na boca e chupar o sumo da polpa. Caí na besteira de tentar separar a polpa do caroço. Deu calo na língua. Ela não sai. O gosto é ácido e muito bom. Parece uma mistura de maracujá com pêssego. Havia outra que se chama môngua, parecida com o Cupuaçu, é a fruta do Imbundeiro, árvore que é um dos símbolos de Angola, mas chega de novidades em relação a frutas.
Delícias da África - O Maboc
A paisagem da viagem variava de forma abrupta. Hora se tornava uma savana, hora voltava para a paisagem litorânea e víamos sempre as vilas formadas por habitações em estuque coberta de palhas. No meio da viagem aparece um vale que parece ter sido pintado a mão. Depois eu soube quem era o artista daquela obra.
Aldeia na Estrada Nacional que leva à Sumbe.
Chegamos finalmente a Sumbe, uma cidade litorânea, que não tem nada a ver com as do Nordeste. Pois o estilo africano impera na paisagem. Todas as habitações que recepcionam os visitantes têm as características de quinto mundo, que são bem peculiares aqui. A medida que avançamos na cidade os prédios foram melhorando de aspecto, até a orla marítma, onde estavam os hotéis e as características universais das praias (calçadão, coqueiros, bares, restaurantes, etc). A cidade é a maior produtora de lagosta do país. Então adivinhe qual foi o meu jantar à beira-mar em frente ao hotel? Bem, nem tudo é só sacrifício. Se você gosta, ela veio grelhada e acompanhada de uma salada que não deu para evitar, como tenho feito com as verduras não cozidas daqui. Estava saborosíssima!
Chegada à Sumbe - Pelo menos o mar está ali.
Restaurante à beira-mar - Lagosta à vista.
Bem, nem tudo é sacrif�cio aqui em Sumbe.
Voltando a labuta, o trecho seria bastante difícil, pois eram 150km com uma serra no meio, onde sairíamos do nível do mar para altitudes de 1500m. Não havia como pernoitar nas cidades lindeiras (Gabela e Quibala). Não havia estrutura de hospedagem, pois a guerra simplesmente dissolveu e os investimentos ainda não chegaram como em Ondjiva (Crônica anterior, lembra?). Teríamos que voltar sempre o percurso levantado para dormir em Sumbe.
Fomos trabalhando naquela estrada de difícil trafegabilidade, em uma situação tal que nunca espero que as nossas cheguem, embora esteja perdendo a esperança, pela constatação de descaso como estão a tratar a infra-estrutura brasileira. É possível que algum dia possamos estar com problemas que Angola hoje tem que enfrentar. A completa perda de suas ligações territoriais. Pelo menos este país tem uma justificativa. Foram 27 anos de guerra. E nós, qual a nossa justificativa?
A vegetação inicial é dominada pelo imbundeiro, o que já a torna bem diferente da nossa. As paisagens são singulares e não identifiquei nada aqui parecido com a terra brasilis. Comecei então a ver um outro diferencial na paisagem, algo que transformava a região de flora rarefeita para um vale onde tudo é verde e ordenado, onde a agricultura é abundante e agente de mudança do ambiente. Até o povo tem o astral melhor e aparenta mais saúde. Isto tudo é causado pelo rio Keve, que desde antes da nossa chegada a esta região vêm nos acompanhado e proporcionando momentos de puro deleite para os olhos. O rio Keve dá condições para a região fazer uma das maiores agriculturas do país e ser um motor de transformação.
O Vale com o artista presente
O Vale e o artista - Paisagens de Angola
Agricultura do Rio Keve.
Verdura barata do rio Keve.
Mais produtos do Keve na vila Cachoeira.
É sinônimo de beleza, pois por onde ele passa, tenha a certeza que você terá uma linda visão. Chega a ser abusado, fazendo coisas que muitos rios não têm oportunidade nem características físicas para tal, como belas cachoeiras e pontes com vãos em arco, infelizmente sem utilização devido aos conflitos. Sei que devo estar exagerando, mas o impacto que um elemento transformador deste gera em uma região castigada como esta não pode ser tratado diferente. O Keve é realmente um artista da natureza.
Cachoeira do Rio Keve
Cachoeira do Rio Keve
Pontes do Rio Keve
Afluente do Rio Keve.
Estou aqui mesmo!
Sidclei e os miúdos da vila de Cachoeiras
A medida que avançávamos e deixávamos as belezas do Keve para trás subíamos em direção a Gabela. Esta cidade parece que foi congelada no tempo. Ela era a base de uma época onde o cultivo do café era o impulsionador da região. Ela situa-se em uma altitude de 1100m acima do nível do mar e seu aspecto é de uma cidade dos anos 50/60. Os conflitos aparentemente não fizeram estragos, se bem que a infra-estrutura da cidade sofreu demasiadamente (uma subestação toda montada foi para o espaço).
Gabela, cidade congelada nos anos 60.
Estou a falar de rios, cidades, estradas, subestações e o mais importante está sendo deixado de lado. O povo. Este é um assunto que para falar sobre ele é preciso despir toda a sensibilidade. O povo é fator de descaso cultural e a miséria existe onde não existe miséria. Parece uma frase de efeito, mas como achar natural que haja fome em uma região que tem o rio Keve. Isto ocorreu quando paramos em uma aldeia próxima e a população cercou nosso carro pedindo comida e notávamos que havia o desespero da fome. Quando secamos nosso estoque de pão, agradecidos eles posaram para fotos. É de espantar o tratamento que o angolano abastado dispensa ao povo humilde, com exceções, é claro. E na base deste sofrimento todo está a mulher. Ela é o ente que trabalha mais. Chega-se ao ponto dos homens levarem a sua mulher para transportar pesos ou fazer outros serviços que, em nossa sociedade, só seriam atribuídos aos mais fortes. Em nossas viagens o que mais se encontram são mulheres carregando seus bebês nas costas, para terem as mãos livres para o trabalho. Elas transportam fardos de lenha, por vezes mais pesados que o próprio corpo, ou as vezes trabalham sol a pino na lavoura. E seus bebês as acompanham em todas estas atividades, amarrados às costas com uma espécie de pano em formato de bolsa presa à barriga.
Jeito feminino de viver no interior de Angola.
Tentamos registrar estes fatos, mas desistimos, pois as coitadas têm muito medo quando nós brancos nos aproximamos no meio da estrada. Algumas correm equilibrando seus fardos e seus bebês. Houve um momento em que eu iria tirar uma foto de algum elemento da estrada e ao abrir a porta me coloquei entre uma família. A mãe e um menininho saíram correndo para trás da camionete, gritando desesperadamente para a filha, que havia ficado à frente do carro e trazia um bebê amarrado atrás. Ela gritava para que ela corresse para o mato. Não adiantou meus argumentos de que nada iria acontecer. A debandada foi geral. A imagem dos brancos colonizadores, malfeitores e escravizadores ainda é forte.
Depois de Gabela a estrada fica mais bonita, com uma vegetação de árvores altas e esguias que emolduram a paisagem. A temperatura que chegara a uns 15º na altitude de 1500m, vai esquentando.
Árvore do "Pau Preto"-Para nós o ébano. utilizadas nas esculturas
Instituto do Café de Angola
Trecho em vegetação exuberante.
Trecho bonito na região do café
As aldeias vão se sucedendo e as rochas aparecem, no começo timidamente. Depois formando imensos morros que completam a paisagem árida. Vamos descendo a serra mais abaixo chegamos ao rio Nhia, onde havia um desvio, pois a ponte havia sido explodida. No meio da ponte metálica do desvio tirei a foto abaixo, que era o começo dos sustos da guerra que teríamos até o fim do trecho na cidade de Quibala. Observe bem a foto.
Ponte sobre o rio Nhia
Detalhe congelado no tempo.
Após esta passagem chegamos a cidade de Quibala. Houve, claro, o alívio do dever cumprido e a necessidade de conhecer uma nova cidade. A paisagem encontrada foi as que estão abaixo e o susto foi dos maiores.
A cidade era um reduto da UNITA e foi bombardeada pelas tropas do governo em batalhas que a transformaram em uma cidade de escombros. Parecia que os destroços estavam ali para servir de museu a céu aberto. Ela está implantada entre duas cadeias de monte de pedras que serviram de reduto para a UNITA e para as tropas do governo (do lado oposto, é claro). As duas se duelaram com a cidade no meio levando toda a carga de uma batalha exdrúxula como esta. O resultado vocês estão vendo nas fotos.
Via principal de Quibala
Prédio na Via principal de Quibala
Detalhe
Foi impressionante andar por ruas daquela forma. A sensação que pairava no ar era a de que a qualquer momento tudo recomeçaria e teríamos que procurar rápido um lugar para nos proteger. Por indução, até o cheiro da guerra começamos a sentir.
O caso é que os recursos ainda não chegaram para esta região e as histórias de guerra, não são apenas histórias, estão ali presentes, para impressionar não pelos ouvidos, mas com os olhos. E assim não é preciso que ninguém nos conte como tudo se sucedeu. Basta olhar para saber. O que mais impressionava não eram os prédios reduzidos a um montes de entulho. Eram as casas de morada que também estavam destruídas através de balas. Isto era o cotidiano de Angola há cinco anos atrás.
Casas destruídas
Falando em assuntos mais amenos, tive a sorte de participar de um dia histórico para o país. A classificação para a Copa do Mundo. E isto foi o dia de nosso retorno à Luanda. Tivemos que ouvir o jogo pelo rádio, pois estávamos ainda no trajeto. Eram dois jogos que se desenrolavam no grupo. E o adversário era nada menos do que a temível Nigéria, que estava jogando no outro jogo, contra o Zimbawe. Ela não se fez de rogada e partiu logo com 2x0 ainda no primeiro tempo. Angola teria que ganhar sua partida contra Ruanda. Bastava 1x0, pois no confronto direto fora vencedora. O país ficou se roendo com o empate em todo o primeiro tempo e nós com eles. O segundo tempo começou e nada. Chegamos e Luanda estava deserta. Os angolanos que nos acompanhavam nos levaram a um restaurante que ficava em uma ruela de dar medo. Já estava em uns 30 min do segundo tempo e a tensão cortava o ar. Então tudo explodiu, e a população da rua saiu das casas. Garrafas voaram para todos os lados. Não deu mais para chegar no restaurante e tivemos que procurar outro. Quando o jogo acabou a festa começou e até caminhão de lixo virou trio elétrico. A coisa toda é mais selvagem que as nossas comemorações. As rádios ficaram dando boletins para acalmar a população, mas ninguém queria saber. Para chegar em casa foi difícil. Não era uma festa qualquer. O país agora faz parte da elite do futebol mundial e curtiu a esperança de jogar o primeiro jogo da copa contra o Brasil. Assim vão chamar a atenção de, pelo menos, 2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Foi assim que o basquete de Angola se tornou referencia na África. Foi o primeiro país a jogar com o Dream Team, dos EUA, na Olimpíada.
As festas se sucederam por todo o país e os angolanos estão considerando este resultado como um despertar de uma nova era para eles. Não estão com pretensões no mundial. Sabem que têm apenas 3 jogos a fazer. Mas querem que seja os três melhores jogos da sua história. E não quer dizer que achem que ganham as partidas, mas acham que podem ganhar com as partidas.´
A história das Copas do Mundo está repleta de casos de azarões vindos da África que fazem o improvável com seleções da primeira linha do futebol. Quem sabe se um dos azarões não é este. Que não seja contra o Brasil.
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