07 February 2006

Crônica 2 e Crônica 3 - Apesar de estar aqui a quase um mês, tenho me impressionado ainda com o trânsito. A minha última constatação foi a de carros com mão inglesa (Motorista do lado direito) trafegando nas ruas. E não é um caso aleatório, uma boa percentagem é assim. Estes carros vêm da África do sul, pela Namíbia, que também possui mão inglesa. Agora imagine a confusão que não deve ser para o motorista. Aqui não existe taxi e o sistema de transporte coletivo é precaríssimo. Se quisermos nos locomover sem carro, a opção são as velhas e conhecidas “vans”, que aqui se chamam de “Kandonga”. Aqui pelo menos elas são padronizadas, em menor número que em algumas das principais cidades brasileiras e (estranho!) um pouco mais organizadas. Tudo isto contribui para o aumento de carros nas ruas e, por consequência, mais engarrafamentos. Muito mais estranho é que neste período que estou aqui constatando este caos urbano, só vi uma batida e pequena, por sinal.

Não tenho tido problemas com as pessoas. No nosso nível todos são bastante cordiais e prestativos, mas quando o nível baixa muito (trabalhadores braçais, desempregados, ambulantes...), o racismo se acende. Já ouvi diversas vezes frases meio ameaçadoras como “Olha os Pulas!” (Pula é o pejorativo de branco) e coisas bem piores. Combinamos não sair sozinhos.

Aqui todo mundo fala mais de uma língua. O nosso administrador fala inglês e francês fluentemente e está aprendendo japonês. Angola é completamente rodeada por países de língua alheia ao português. Fala-se inglês a Sul e Oeste e francês no Norte. No interior, o país possui mais cinco línguas nativas. Entre elas o Kimbundo, e as línguas banto, cuja peculiaridade é ter todos os verbos iniciados com o prefixo cu (cuidado com a gozação). Então aprenda, Curibota é falar abrobinha, Cuimbila é cantar... Existe um engenheiro aqui do Inea, Engenheiro Herculano, que fala todas as nativa e algumas padrões incluindo alemão.

Uma das coisas engraçadas é que, como vocês notaram, seu título vira propriedade. Você é conhecido e chamado por ele: Engenheiro Sicrano, Arquitecto fulano ...
As opções de divertimento ainda não foram descobertas por nós que moramos no centro da cidade e estamos desgarrados do restante do pessoal. Estes moram no Condomínio Talatona, local de moradia da maioria dos brasileiros. O motivo é que estamos em um ritmo meio que alucinante, trabalhando de domingo a domingo. Este final de semana, como é aniversário de Maranhão, vamos tentar tirar ele do trabalho para fazer uma comemoraçãozinha. Apesar disto já identificamos um “Snack bar” (bar de tira-gostos) que serve uns petiscos interessantes: o choco é um polvo a milanesa; pica-pau, uma espécie de filé com fritas e lagostas de diversos tipos, regados a cerveja EKA (uma delícia!). Mas o melhor em comida de Angola são os peixes, principalmente o cacusso que é um peixe do mar pequeno, mas saboroso. Fui a um restaurante em que eles preparavam na brasa com sal grosso. Foi o melhor que eu já comi aqui. O pior foi uma tal de Muamba com gimguba. Uma pergunta! Você já teve oportunidade de ter uma gimguba na boca? Não, pois eu já. E fotografei por sinal. Só não divulgo para não ferir os pudores de alguns. Vamos as explicações, gimguba é o próprio amendoim, só que neste prato ele vinha em forma de uma gororoba. Existe outra gororoba feita de mandioca prensada. A consistência é a daquele grude que fazíamos quando criança para montar pipas. Este exemplar da comida angolana é também chamado de Funge Bobo. O prato final é quando estas duas adornam um frango cozido. Esta é a Muamba com gimguba. Neste dia só comi o frango.

Adorei a observação de minha amiga Luciana, quando leu o meu último e choroso e-mail. Ela achou muito engraçado que depois de quase 120 anos da abolição da escravatura no Brasil, sai um branco daí para sofrer de banzo na África. Situação inversamente igual a dos negros escravizados na nossa “Pátria Mãe Gentil”. Sorte a minha que a inversão não foi totalmente completa, senão iria ser mais engraçado ainda.


Crônica 2 - 02 de Setembro de 2005 - Eu esperava escrever bem mais, mas as coisas estão muito corridas aqui, e não estou tendo muitas oportunidades. Se passou a primeira semana da empolgação e terminou a segunda. Estamos iniciando a semana do banzo, que está chegando no nível muito alto. Estou meio perdido com o português de Portugal que se fala aqui. Algumas palavras não são acentuadas, o acento circunflexo é substituído pelo agudo e existem denominações diferentes para certas coisas (banheiro é casa de banhos), principalmente as técnicas (concreto é betão, trecho de estrada é troço, banqueta é lancil e por aí vai...) O mais engraçado é a ausência de gerúndio, o que os angolanos insistem em dizer (junto com os portugueses, é claro) que a sua utilização banaliza o verbo, não sendo a forma correta de falar o português. Eu acho que usar só o infinitivo> é aprisionar o verbo ao verbo estar, e aí sim é banalizar, mas isto é discussão para uma vida inteira. Nela eu fico com as impressões do escritor angolano José Eduardo Agualusa, que foi um dos sucessos na última Feira internacional de Parati. Segundo ele para ler os cânticos dos Lusíadas de Camões, a métrica portuguesa não serve, tem que ser a brasileira. 1X0 para nós dentro da casa do adversário. Mas, apesar disso, acho que quando vocês me 1encontrarem novamente, estarei a falar iguala um gajo, pois, pois...

Aqui a guerra civil prejudicou o país no que ele tinha de desenvolvimento, inclusive na mentalidade do povo para certos aspectos..O regime comunista impretado depois da independência de Portugal em 75, antes da guerra civil, além de encher a cidade com nomes dos expoentes libertários nas ruas(moro na Av. Salvador Allende e trabalho na Av. Lenin, tendo também ruas Martin Luther King, Fidel Castro, entre outras...). Assim fico devendo as fotos da cidade, mas, devido a tudo isto, há uma incompreensão do povo angolano com fotos que nós "brancos" tiramos. Eles não vêem com bons olhos (aliás vêem com maus olhos mesmo), pois, além de não gostarem devido ao tempo do comunismo, eles ainda acham que os consideramos exóticos e isto eles têm pavor. Fomos a uma praia este fim-de-semana e ao descermos com a máquina, já havia uma confusão no bar próximo, pois um casal de chineses queria tirar fotos com a meninada e a confusão rolou. Foi uma pena, pois o pôr-do-sol aqui é na praia estava maravilhoso, com um Sol de um brilho meio metálico (aqui tudo é bem diferente!).

Por-de-sol na praia.



Vista do Prédio da Chevron na minha Rua - Salvador Allende

Quando saio às ruas ainda me espanto com a qualidade dos carros que trafegam. Todas as vezes vejo algum que nem sonhamos encontrar aí. Uma Nissan zerada cabine dupla, o pessoal chama pelo termo prejorativo de "carrinha". Carro para eles é muito mais. E que carros. Ainda não tive condições de comprar nada, mas em um serviço que fiz no istmo de Luanda, que todos chamam de "Ilha" (um dos lugares mais bonitos da cidade), parei numa loja de arte, onde havia umas esculturas em madeira retratando o povo do país e os animais. Eram perfeitas! O preço salgado. As mais viáveis chegam a U$ 30,00. Existe um mercado de artesanato aqui chamado Benfica. Preciso visitá-lo. Esta é uma fase crítica na minha estadia aqui. Espero conseguir superá-la.

2 comments:

Anonymous said...

Aqui em Portugal há muitos Angolanos, é claro que eu percebo o português de Portugal, mas sabe que o povo africano fala um português que por vezes nem os portugueses percebem?? engraçado né?!!

Estou a gostar imenso das crônicas :)

Anonymous said...

Pois é, em África há coisas que nunca eu tinha ouvido falar antes, há muito Europeu e muitos costumes que nós no Brasil não conhecemos, mas como se diz em Portugal : Primeiro estranha-se e depois entranha-se :)

Que aventura hein, amigo!! olha que eu quase fui trabalhar em Angola... e acredita que gostaria de ter ido...